Pão
doce
Por Ariadne
Senna
- Oi
moça, você não tem preconceito não, né?
Foi
assim que ela me abordou, Priscila, uma travesti moradora de rua que
me interrompeu quando eu estava a uma quadra de chegar em minha casa.
Respondi a ela que não e então Priscila se aproximou me dizendo que
estava com muita fome e que não ia pedir dinheiro não, mas que
agradeceria se eu pudesse lhe pagar ao menos um café com leite.
Olhei
para a quadra seguinte na qual estava a minha casa, senti o cansaço
das minhas pernas e o peso das sacolas que eu carregava nas mãos
depois de um dia agitado, olhei para a quadra de trás e então
decidi ir com Priscila até a padaria mais próxima.
- Desculpa
fazer você voltar todo esse caminho – Priscila me disse.
Respondi
que não tinha problema porque era domingo e eu não estava com
pressa, afinal, a correria durante a semana já é tanta que no
domingo é preciso acalmar um pouco. Ela sorriu.
Priscila
me explicou que geralmente no horário do almoço passa um grupo
distribuindo marmitex, mas naquele dia eles não tinham passado e que, portanto, ela estava desde de manhã até às 17h com o estômago
vazio.
Chegamos
à padaria e me surpreendi – e também me alegrei – quando
Priscila entrou comigo no estabelecimento comercial, sem medos e nem
receios! Muitas vezes quando comprei alguma comida para alguém em
situação de rua, a pessoa ficou do lado de fora do comércio, mesmo
que eu insistisse que ela me acompanhasse. Priscila não. Priscila,
como uma rainha, entrou de forma a saber que era direito dela também
estar dentro daquele local.
Já
havia decidido que não iria simplesmente comprar um café com leite
para Priscila, pois acreditava que ela precisava de algo que a
alimentasse de verdade. Olhando para uma estante da padaria perguntei
se ela queria algum pão recheado e eis que ela me respondeu que não,
que ela queria um doce, que estava precisando de um doce!
Internamente
dei uma risada e até mesmo a julguei muito brevemente, logo depois
me identifiquei e lembrei-me de quantas vezes na vida tive a
necessidade de um doce e substituí meu almoço por algo bem calórico
e açucarado. Se eu tinha esta possibilidade, por que Priscila não a
poderia ter?
Fomos
estão ver os doces e mostrei alguns bolos:
- Não
tem nenhum rocambole? - perguntou Priscila, procurando.
- Tem
sim, estão aqui. Tem esse de doce de leite e esse de limão.
- O
de limão deve ser ruim né?
- Pra
ser bem sincera é uma delícia! Eu já comprei esse de limão uma
vez e bem, eu gosto bastante.
Ela
escolheu levar o rocambole de limão e eu consegui convencê-la a
levar além disso um pão recheado para ela se alimentar um pouco
melhor. Saímos da padaria e continuamos conversando. Priscila falava
muitas coisas e comentava sobre as pessoas que passavam por nós com um certo ar zombeteiro, mas quando perguntei como era morar na rua sua
feição mudou e ela não falou muito, aparentemente Priscila não
queria comentar sobre este lado da vida.
- Viver
na rua é cada um por si e Deus por todos. Você come o pão que o
diabo amassou todos os dias.
Voltamos
ao local em que tínhamos nos encontrado e Priscila me agradeceu,
respondi que tinha sido um prazer conhecê-la e ter conversado com
ela. Ela ficou e eu continuei, ela então desejou que eu seguisse com
Deus e eu segui. Segui desejando que ao menos naquele dia Priscila
comesse um pão que tivesse sido amassado com amor e carinho e que
aquele rocambole adocicasse um pouco sua vida.